terça-feira, 29 de março de 2011


E o amanhã escorregando das minhas mãos
em pleno agosto desnudo de paixão
quebra ao som do catavento meu coração
os pedaços vão em pequenas caixas
bordados com renda branca
anunciando: este ano não tem verão
repousa lúgubre a minha solidão
entre as árvores pois infrutífero estou
as preces nunca tocam o céu cinzento
e meus olhos ainda míopes e pés tortos
tentam caminhar pela estrada em curva.

segunda-feira, 21 de março de 2011


Signos bandidos, vozes do acaso
geração de prazer e medo
sombras e gelos no copo
o dado é lançado
em certo momento
o mundo fica ao nosso lado
giro de cadeira, sinal vermelho
gostamos dos erros das rosas
tecer memórias rotas
procurar miguel em cervantes
abrir o baú de poeria
escrever no céu com as mãos
jogar fora os anéis de ouro
despedir do teu irmão.

quinta-feira, 17 de março de 2011


Ontem eu vi seu rosto
estampado numa esquina
entre dois pontos difusos
mas nem olhei seus dentes

Seus passos me seguiam
mesmo no meio do salão
eles esbarravam nas luzes
na jukebox tocava uma só canção

Que me mantinha pra cima
mesmo com toda sombra
que há em mim
e silenciava meu coração
sempre com a solidão

Já não procuro mais nada
pois perdi meus anéis
nenhuma terra segura meus pés
só aquela canção de antes

Que me joga pra cima
me levanta no meio da multidão
faz tudo ficar invisível
até as minhas mãos

Então siga-me até o chão
olhe pra cima
faça sua própria canção
abrace sua solidão
e não se sentirá só.

sábado, 12 de março de 2011


Eu não sei quem é você
eu não sei o que você é
eu só sei que o pouco que sei
só diz respeito sobre mim
mas falando sobre mim
descubro tudo sobre você
porque os espelhos permanecem sólidos
e ainda estamos acordados até agora.

segunda-feira, 7 de março de 2011


Está tudo tão claro e enclausurado
nada há de fugir por entre suas pernas
ninguém lhe seguirá ao amanhecer
já se pôs em nossos lençóis um pouco de ar
tão bela e leve a brisa que exalas
antes de deitar teu corpo ao mar
e a rosa que nasceu de ti, sem odor se foi
a paisagem mudou depois de perene noite
mas ela não se eternizou nos teus lábios
somente meus olhos não calam quando durmo
e você dançando por cima da minha cabeceira
seu corpo agora tem o gosto da pitomba
e minha língua a cor de luto
paremos de dividir as horas frágeis
pois o ópio é só fumaça agora no pan.

sábado, 5 de março de 2011


Vem, machuca meu amor
me traga palavras sem flor
me faça um bordão
mas não tira de mim este tonto coração

Mate minhas ilusões
no canto da cigarra que entoas
pelas ruas e avenidas
entre bocas e desventuras

Cegue minha carne
afagando minhas mãos
com promessas vazias
como fazes com outros ao seu alcance

Tranque meu olhar
naquele navio que passa
mas não deixe me afundar mais
porque já não me lembro de como nadar

Traga tudo que deixei pra ti
queime em praça pública
deixe escrito num livro de capa dura
tudo aquilo que nunca irá sentir por mim.

sexta-feira, 4 de março de 2011


Havia uma cadeia no meio da sala, imóvel, calada, mas ela era rodeada por uma luz, branca, que bailava sem parar. Mas o que esta cadeira fazia ali? Por que ela permanecia ali inerte, sem respirar, sem olhar pro lado ou para trás? Ninguém entrava na sala para sentar nela. Nem para usá-la como escada ou para pendurar um casaco. Porém, ela não estava infeliz, ela transpirava gratidão, estava alegre por estar ali, no meio daquela sala. Uma sala onde nada se via, somente ela, em seu centro e o faixo de luz, que estava ali somente por ela. Mas porque ninguém a tocava? Nenhum carinho se fazia em seus braços. De repente, entra uma multidão, todos a fitam, ela parece perceber, fica imponente e austera. Nota-se até mesmo que ela dá um leve sorriso, esses de canto de boca. As pessoas a rodeiam, a observam com cuidado. Tocá-la nem pensar, ela poderia se irritar e sabe-se lá o que faria. Depois de uns minutos e muitos cochichos, as pessoas se retiram lentamente, ninguém olha pra trás, a ignoram agora. Ela sente, mas mesmo assim não deixa a tristeza sentar-se nela, ela sabe que amanhã, quando as portas do museu se abrirem, ela terá de volta seus súditos, seus admiradores, os olhares lânguidos.